Existem diferentes nomes para o ácido nicotínico: niacina, vitamina PP (Pellagra preventis) ou vitamina B3. A vitamina B3 e sua inclusão no grupo das vitaminas B, não é muito precisa. Nos organismos, a niacina está presente como nicotinamida e é necessária para a síntese da nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD) e nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato (NADP (H)). Essas duas moléculas são coenzimas importantes, envolvidas em reações de óxido redução e estão presentes em mais de 100 enzimas. A niacina é derivada do triptofano, tanto da dieta quanto da síntese endógena e ruminal. Não está claro se as necessidades dos animais são totalmente atendidas pela síntese de niacina ou se é necessária a suplementação alimentar. Essas moléculas podem ser usadas pela microflora ruminal e, se fornecidas na forma livre, a suplementação alimentar não será totalmente disponível para a absorção animal.
A niacina pode reduzir a mobilização do tecido lipídico, especialmente durante o balanço energético negativo (BEN), típico do período de transição em ruminantes. Esse controle da lipólise leva a uma menor concentração circulante de ácidos graxos não esterificado (AGNE) e β-hidroxibutirato (BHBA), com a consequente redução do risco de cetose, melhorando a produção e a saúde geral do animal. A suplementação alimentar de niacina não protegida pode aumentar os protozoários e bactérias ruminais e, consequentemente, a proteína do leite.
Os efeitos da suplementação de niacina em vacas leiteiras foram investigados nos últimos anos. Nielsen et al. em seu artigo “Uma revisão dos efeitos da suplementação de niacina em vacas leiteiras em início da lactação” (Acta Vet. Scand., 2003) concluiu o seguinte: “A suplementação de niacina não reduz a mobilização do tecido adiposo ou o conteúdo de lipídios no fígado. Portanto, é improvável que a niacina possa prevenir o fígado gorduroso e a cetose. Além disso, a niacina não afeta o consumo alimentar, a produção ou a composição do leite em vacas leiteiras no início da lactação”.
Por outro lado, em 2005, Schwab et al. publicou “Revisão: uma meta-análise das respostas lactacionais à niacina suplementar em vacas leiteiras”. Eles analisaram 27 estudos publicados entre 1980 e 1998 sobre o desempenho de vacas leiteiras recebendo suplementação alimentar de niacina. Sua conclusão foi que 6 g/cabeça/d de niacina não afetaram o consumo, a eficiência alimentar, produção e composição do leite, o BHBA, os AGNE ou a glicemia. Ao contrário, 12 g/cabeça/d melhoraram a produção de leite (LCG 4%) e a eficiência alimentar. Eles detalharam uma correlação positiva entre a niacina e o metabolismo, especialmente durante o período de transição, ainda que mais estudos sejam necessários para a compreensão completa dos mecanismos.
Esses dois artigos indicaram que a suplementação de niacina (inferior a 12 g/vaca/d) tem efeitos apenas leves. Porém, todos esses estudos e os anteriores foram realizados com a niacina na forma livre. Hoje em dia, é amplamente conhecido que este tipo de niacina oferece poucos benefícios em vacas leiteiras em lactação, enquanto a síntese de NAD e NADP(H) tem sido relacionada à modulação da microflora ruminal.
No 2008, Niehoff et al. (Br. J. Nutr. 101:5-19) publicaram “Niacina para gado leiteiro: uma revisão” com ideias interessantes sobre a niacina. Eles sugeriram que a microflora ruminal de uma vaca leiteira de 650 kg, produzindo 35 kg/d de leite (LCG 4%), sintetiza 1800 mg diários de niacina. A necessidade de niacina para um animal desse tamanho é de 256 mg para tecidos e 33 mg para produção de leite, portanto, a suplementação dietética não seria necessária. Deve-se observar que há muitos fatores que influenciam a produção e degradação da niacina no rúmen, e o estudo de Niehoff investigou apenas alguns animais; até os autores tinham algumas dúvidas sobre a confiabilidade dos dados.
Muitos dos estudos posteriores, entretanto, foram conduzidos usando-se a niacina protegida da ação do rúmen: os resultados indicaram efeitos positivos no metabolismo animal. A niacina reduz a lipólise e a mobilização de AGNE do tecido lipídico durante o BEN. A perda de peso e o BEN durante o período de transição são fisiológicos em vacas leiteiras; porém, se a concentração de AGNE aumenta mais que 0,29 mmol/l no periparto e 0,6 mmol/l durante a lactação, há uma patologia em andamento. Se mais de 15% de um rebanho apresenta essas concentrações de AGNE, isso pode ser devido à dieta incorreta, ao meio ambiente ou ao manejo inadequado.
A lipólise é determinada pelo estado hormonal, típico do período de transição (baixa insulinemia, resistência à insulina do tecido, altas concentrações de glucagon e hormônio somatotrófico). O aumento do AGNE no plasma influencia negativamente o eixo hipotálamo-hipófise-ovariano, causando retardo no retorno da atividade ovariana após o parto, maior risco de degeneração cística folícular, oócitos e corpo lúteo de baixa qualidade e um ambiente uterino desfavorável para o embrião na fase de pré-enxerto. É claro que há uma conexão entre os ácidos graxos saturados protegidos da ação ruminal da dieta e os AGNE do tecido lipídico endógeno, embora seja possível saber a concentração plasmática de AGNE, é dificil distinguir a sua origem.
A alta concentração de AGNE, também interfere no sistema imunológico: a Tabela 1 destaca alguns de seus efeitos negativos.
Tabela 1: Efeitos do aumento de AGNE plasmático na resposta imune de vacas leiteiras de transição (Contreras et al. JDS 101:2737-2752)
Tipo de célula | Efeito na função | Variação | Referência |
Leucócitos polimorfonucleares | Número de células | – | Sander et al. 2011 |
Habilidade quimiotática | – | Hammon et al. 2006;
Hoeben et al. 2000 |
|
Atividade fagocítica | – | Nonnek et al. 2003 | |
Atividade oxidativa | Inibição | Ster et al. 2012 | |
Espécie reativa de oxigênio (ROS) | + | Scalia et al. 2006 | |
Leucócitos mononucleares | Apoptose | + | Buhler et al. 2016 |
Proliferação e estimulação | – | Petzold et al. 2015;
Ster et al. 2012 |
|
Secreção de IgM e IFN-τ | – | Lacetera et al. 2005 e 2004 | |
Neutrófilos | Expressão de genes apoptóticos | + | Buhler et al. 2016 |
Linfócitos | Resposta de agentes mitogênicos | – | Lacetera et al. 2004;
Nonnecke et al. 2003 |
Secreção de IgM | Inibição | Lacetera et al. 2004 | |
Células B | Produção de imunoglobulinas | – | Lacetera et al. 2004 |
Os ruminantes que mobilizam uma grande quantidade de AGNE (grande perda de peso após o parto), têm um alto risco de esteatose hepática, cetose e patologias metabólicas relacionadas (deslocamento de abomaso, retenção de placenta e metrite). Numerosos estudos indicam que a niacina é um bom ajudante no controle da lipólise. As dietas que estimulam a produção de insulina e a sensibilidade do tecido a esse hormônio, são freqüentemente insuficientes para prevenir os efeitos negativos do BEN. A niacina protegida da ação do rúmen atinge o tecido lipídico e os adipócitos, inibindo a atividade da adenil ciclase e, consequentemente, reduzindo a atividade do AMP cíclico intracelular.
Existem três métodos para quantificar a perda de peso e a severidade da lipólise em bovinos, tanto subjetivos quanto objetivos. O método subjetivo mais frequente é a avaliação da ECC por meio da análise instrumental visual (BCS-camera, DeLaval). Os métodos objetivos são a determinação plasmática de AGNE, a avaliação da produção de gordura do leite (menos de 4,8% durante as primeiras 8 semanas de lactação) e a análise do leite (FT-MIR).
A niacina tem efeitos positivos não apenas na mobilização do tecido lipídico, mas também é útil durante os períodos de estresse térmico. A niacina protegida da ação ruminal (8-16 g de princípio ativo) induz a vasodilatação periférica e aumenta a atividade das glândulas sudoríparas, tendo como consequência positiva a dissipação do calor corporal, através da pele. O método experimental em fazendas para determinar a eficácia da suplementação de niacina, é o monitoramento da temperatura retal. Um organismo sob estresse térmico (alta umidade e temperatura ambiental) é incapaz de manter a temperatura corporal estável. Em vacas leiteiras, mesmo um aumento de 0,5 ° C na temperatura retal indica estresse térmico, de modo que a eficácia da niacina é facilmente mensurada no rebanho.
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